No séc. II depois da morte de Cristo, o movimento religioso cristão estava em plena
expansão mundial. Desde o seu berço na distante Judeia, agora era um movimento
religioso em contagiante evolução, proliferando desde a Europa á Ásia. Foram
nesses tempos que o imperador romano Constantino se converteu ao Cristianismo,
e também se concluiu a escrita do Novo Testamento. É no fervilhar de ideias,
entre as discussões teológicas e a construção da doutrina oficial da igreja
crista, que neste período histórico nasce o Gnosticismo.
Nesta
época, ( séc. II d.C), os livros que agora constam do novo testamento
estavam concluídos, e contudo o novo testamento enquanto cânone ainda não
estava formalizado. Foi das discussões, debates e confrontos entre as varias
visões do cristianismo florescente, que se acabou por definir quais os livros
que acabariam por constituir aquilo que hoje conhecemos pelo Novo Testamento.
Fora muitas as disputas, e apenas nos fins do sec IV é que se deverá ter
chegado a um consenso: o cânone passaria a incluir os 4 evangelhos, os Atos
dos Apóstolos, as cartas de Paulo, e um grupo de outras epístolas, assim como o
Apocalipse de João. Mas se muita discussão houve, é porque para alem destes 4
evangelhos, dezenas e dezenas de outros evangelhos existiam , tais como: o
evangelho de Tome, o evangelho de Judas, e ate mesmo o evangelho de Maria. Cada
um desses evangelhos, agora considerados apócrifos, ( porque não foram
incluídos na doutrina oficial da igreja Cristã, expressa no Novo Testamento),
expressava visões substancialmente diferentes de Jesus, e ate mesmo de Deus.
Foi em todo
este ambiente de disputas teológicas, que nasceu o movimento gnóstico e o
gnosticismo. O gnosticismo é por muitos considerado a vertente mística do
cristianismo, assim como a cabalah é a vertente mística do judaísmo. No
entanto, há quem afirme que mais que uma vertente mística, o gnosticismo
constitui uma verdadeira ramificação da doutrina crista.
Como nasce
o Gnosticismo? O que é na verdade o gnosticismo?
No seio de
toda a disputa e discussão teológica que sucedeu nos primeiros 4 séculos do
cristianismo, destacaram-se 3 grupos de cristãos primitivos distintos.
Haviam um
primeiro grupo constituído essencialmente por Judeus. Para esse grupo de Judeus
convertidos ao cristianismo, o Deus de Jesus era o Deus de Moisés e o Deus de
Abraão. Por isso, Jesus era o Messias prometido por Deus ao povo judeu, e por
isso os seguidores de Jesus tinham de ser judeus, convertendo-se ao Judaísmo.
Este grupo de cristãos judeus professava o mais profundo monoteísmo. Assim
sendo, professvam que apenas podia haver um Deus, e que Jesus não podia por
isso ser uma espécie de um segundo Deus. Como tal, estes judeus cristãos
afirmavam que Jesus era um homem normal, de carne e osso; que havia nascido de
uma relação sexual normal entre José e Maria; que Maria não era por isso
virgem.
Havia
depois um segundo grupo de cristãos primitivos, que encontrou em Marçal ,(séc. II d.C), o seu mais famoso teólogo e filosofo. Para este teólogo, haviam um
nítido contraste entre a Lei de Moisés, ( Antigo Testamento), e os escritos
evangélicos, ( que mais tarde constituiriam o Novo Testamento). Claramente que
a Lei de Moisés descrevia um Deus terrível, ciumento e vingativo, ao passo que
a mensagem de Jesus retratava um Deus de amor e sabedoria.
A conclusão
de Marçal é obvia: obviamente isto sucede, porque se tratam de 2 deuses
diferentes; são 2 os deuses que estes 2 relatos históricos, ( antigo testamento
e novo testamento), estão descrevendo.
Marçal conclui
por isso que se tratam de 2 deuses diferentes: um é o Deus do antigo
testamento, o Deus dos Judeus, o Deus que criou este mundo físico. Esse Deus
escolheu os Judeus como seu povo, e deu-lhe uma lei dura e implacável. Por
outro lado, Jesus advem de um Deus superior, um Deus maior, um Deus de luz,
paz, sabedoria e amor. Jesus, segundo Marçal, tinha sido enviado por esse Deus
maior para salvar os Judeus do seu Deus irado e vingativo, ao passo que para
oferecer a toda a humanidade o caminho da salvação através desse Deus superior.
Por
considerar que o Deus dos Judeus era o Deus criador do mundo material, e que
Jesus era Deus do outro Deus superior que é um Deus apenas de espírito, Marçal
concluiu que Jesus não poderia ser mais senão: apenas um espírito. Deus viveu,
comeu, bebeu, pregou e morreu. No entanto, toda a dimensão física dessa
existência foi uma mera ilusão.
Completamente
descabido? Na verdade, se olharmos os textos sagrados, até nem é tão descabida
a ideia defendida pelo famoso Teólogo Marçal. Em rigor, não é difícil encontrar exemplos deste tipo
de fenômeno na Bíblia, uma vez que no próprio antigo testamento, ( Livro de
Tobias), é descrito como o anjo Rafael habitou neste mundo, parecendo ser um
mero mortal humano e iludindo todos os que o rodeavam quanto á sua verdadeira
essência.
Por ultimo,
existiu entre o séc. II e IV d.C., um terceiro grupo de Cristãos primitivos,
chamados «gnósticos». Para os gnósticos, Jesus não era nem apenas um mero
mortal, nem apenas um ser divino; para os gnósticos, Jesus foi um ser humano de
carne e osso, que foi habitado por um espírito celestial.
Vamos então
saber mais sobre os gnósticos e o gnosticismo:
Muitas das
doutrinas gnósticas foram beber a alguns dos princípios teológicos expressos no
ancestral livro de Henoc.
O II livro
de Henoc foi escrito por volta do Sec II a.C. em terras de Israel. Muitos
afirmam que este livro não foi colocado no Antigo Testamento, porque expressava
ideias e noções contraditórias ao seu mais famoso parente literário, o Livro de
Génesis.
No Livro de
Henoc, fica viva a ideia que todos nos somos detentores de um enorme poder
espiritual, e que podemos alterar o rumo do destino. No entanto, o Livro de Gênesis tende a ver o homem enquanto um ser miserável, feito do pó, caído em
pecado e por isso manchado pelo mal, condenado á decadência, ao sofrimento e á
mortalidade.
Ao
contrário, o Livro de Henoc expressava uma visão altamente espiritual do homem,
concedendo-lhe faculdade que lhe permitem ascender a esferas espirituais
superiores, e mesmo á imortalidade.
Por isso mesmo, o Livro de Henoc conta entre outras, a
historia do misterioso e imortal Melquisedec, o sumo sacerdote que também é
referido na versão oficial do Antigo Testamento, e que neste livro é retratado
como exemplo dos poderes espirituais que habitam dentro do ser humano.
Claramente a visão do Livro de Gênesis era a mais ortodoxa,
e o livro de Henoc foi excluído do Antigo Testamento.
No Livro II de Henoc, ( séc. II a.C), encontramos expressa a
ideia de que o processo da criação do mundo físico em que existimos, proveio de
uma vontade divina que deu existência e uma grande classe de seres celestiais.
Esses seres celestiais, chamam-se Aeons, sendo que esses
seres celestiais são emanações do Eterno, ou se quiséssemos, do Criador.
Ao todo, o conjunto de Aeons constituem a Pleroma, ou a
plenitude divina.
Um desses Aeons, tomou a forma de Adão, sendo que nesse
sentido, Adão foi como a semente de Deus neste mundo.
Pois os gnósticos defenderiam séculos mais tarde esta mesma
visão teológica, afirmando assim que tal como Adão foi uma manifestação
corpórea de uma essência celestial, o mesmo quanto a Jesus e Maria Madalena.
Afirmavam os gnósticos, que também Jesus e Maria Madalena
foram incarnações de Aeons, ou seres celestiais.
Por tudo isso, os gnósticos tendem a ver Jesus enquanto uma
dualidade: por um lado, trata-se um ser humano perfeitamente comum e normal, de
carne e osso; por outro lado, dentro do ser humano mortal, habitou uma essência
divina, ou um ser celestial.
Afirmam os gnósticos, que esse ensinamento é claro se lermos
os evangelhos, pois ali poderemos encontrar que:
1-Jesus chegou a afirmar que o corpo é apenas um receptáculo
para um espírito
2-No momento da morte, Jesus grita: «Pai, porque me
abandonaste?»; uma declaração que claramente faz entender que o Jesus humano
estava falecendo e o ser celestial que nele habitava abandonou aquele corpo,
ascendendo ás realidades superiores
3-Jesus, por via de uma metáfora e quando falando do Templo
de Jerusalém, acabou declarando que Ele mesmo era um templo no qual habitava o
espírito do filho de Deus.
Por esse motivo também, dizem os gnósticos que depois da
ressurreição, ( tal como descrito nos evangelhos), Jesus teve de regressar e
explicar as escrituras aos seus discípulos, ou seja: Jesus regressou para
trazer este conhecimento espiritual secreto aos seus seguidores, ate mesmo
porque os ditos não tinham percebido claramente a sua mensagem ao longo da sua
pregação.
Para o
gnosticismo, fica assim demonstrado que a sabedoria espiritual e celeste, é a
via da evolução espiritual e da salvação, porquanto foi essa a chave que Jesus,
depois da morte, entregou aos seguidores que entendeu serem merecedores.
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