domingo, 7 de julho de 2013

Quem são os Gnósticos?


No séc. II depois da morte de Cristo, o movimento religioso cristão estava em plena expansão mundial. Desde o seu berço na distante Judeia, agora era um movimento religioso em contagiante evolução, proliferando desde a Europa á Ásia. Foram nesses tempos que o imperador romano Constantino se converteu ao Cristianismo, e também se concluiu a escrita do Novo Testamento. É no fervilhar de ideias, entre as discussões teológicas e a construção da doutrina oficial da igreja crista, que neste período histórico nasce o Gnosticismo.

Nesta época, ( séc. II d.C), os livros que agora constam do novo testamento estavam concluídos, e contudo o novo testamento enquanto cânone ainda não estava formalizado. Foi das discussões, debates e confrontos entre as varias visões do cristianismo florescente, que se acabou por definir quais os livros que acabariam por constituir aquilo que hoje conhecemos pelo Novo Testamento. Fora muitas as disputas, e apenas nos fins do sec IV é que se deverá ter chegado a um consenso: o cânone passaria a incluir os 4 evangelhos, os Atos dos Apóstolos, as cartas de Paulo, e um grupo de outras epístolas, assim como o Apocalipse de João. Mas se muita discussão houve, é porque para alem destes 4 evangelhos, dezenas e dezenas de outros evangelhos existiam , tais como: o evangelho de Tome, o evangelho de Judas, e ate mesmo o evangelho de Maria. Cada um desses evangelhos, agora considerados apócrifos, ( porque não foram incluídos na doutrina oficial da igreja Cristã, expressa no Novo Testamento), expressava visões substancialmente diferentes de Jesus, e ate mesmo de Deus.

Foi em todo este ambiente de disputas teológicas, que nasceu o movimento gnóstico e o gnosticismo. O gnosticismo é por muitos considerado a vertente mística do cristianismo, assim como a cabalah é a vertente mística do judaísmo. No entanto, há quem afirme que mais que uma vertente mística, o gnosticismo constitui uma verdadeira ramificação da doutrina crista.

Como nasce o Gnosticismo? O que é na verdade o gnosticismo?

No seio de toda a disputa e discussão teológica que sucedeu nos primeiros 4 séculos do cristianismo, destacaram-se 3 grupos de cristãos primitivos distintos.

Haviam um primeiro grupo constituído essencialmente por Judeus. Para esse grupo de Judeus convertidos ao cristianismo, o Deus de Jesus era o Deus de Moisés e o Deus de Abraão. Por isso, Jesus era o Messias prometido por Deus ao povo judeu, e por isso os seguidores de Jesus tinham de ser judeus, convertendo-se ao Judaísmo. Este grupo de cristãos judeus professava o mais profundo monoteísmo. Assim sendo, professvam que apenas podia haver um Deus, e que Jesus não podia por isso ser uma espécie de um segundo Deus. Como tal, estes judeus cristãos afirmavam que Jesus era um homem normal, de carne e osso; que havia nascido de uma relação sexual normal entre José e Maria; que Maria não era por isso virgem.

Havia depois um segundo grupo de cristãos primitivos, que encontrou em Marçal ,(séc. II d.C), o seu mais famoso teólogo e filosofo. Para este teólogo, haviam um nítido contraste entre a Lei de Moisés, ( Antigo Testamento), e os escritos evangélicos, ( que mais tarde constituiriam o Novo Testamento). Claramente que a Lei de Moisés descrevia um Deus terrível, ciumento e vingativo, ao passo que a mensagem de Jesus retratava um Deus de amor e sabedoria.

A conclusão de Marçal é obvia: obviamente isto sucede, porque se tratam de 2 deuses diferentes; são 2 os deuses que estes 2 relatos históricos, ( antigo testamento e novo testamento), estão descrevendo.

Marçal conclui por isso que se tratam de 2 deuses diferentes: um é o Deus do antigo testamento, o Deus dos Judeus, o Deus que criou este mundo físico. Esse Deus escolheu os Judeus como seu povo, e deu-lhe uma lei dura e implacável. Por outro lado, Jesus advem de um Deus superior, um Deus maior, um Deus de luz, paz, sabedoria e amor. Jesus, segundo Marçal, tinha sido enviado por esse Deus maior para salvar os Judeus do seu Deus irado e vingativo, ao passo que para oferecer a toda a humanidade o caminho da salvação através desse Deus superior.

Por considerar que o Deus dos Judeus era o Deus criador do mundo material, e que Jesus era Deus do outro Deus superior que é um Deus apenas de espírito, Marçal concluiu que Jesus não poderia ser mais senão: apenas um espírito. Deus viveu, comeu, bebeu, pregou e morreu. No entanto, toda a dimensão física dessa existência foi uma mera ilusão.

Completamente descabido? Na verdade, se olharmos os textos sagrados, até nem é tão descabida a ideia defendida pelo famoso Teólogo Marçal. Em rigor,  não é difícil encontrar exemplos deste tipo de fenômeno na Bíblia, uma vez que no próprio antigo testamento, ( Livro de Tobias), é descrito como o anjo Rafael habitou neste mundo, parecendo ser um mero mortal humano e iludindo todos os que o rodeavam quanto á sua verdadeira essência.

Por ultimo, existiu entre o séc. II e IV d.C., um terceiro grupo de Cristãos primitivos, chamados «gnósticos». Para os gnósticos, Jesus não era nem apenas um mero mortal, nem apenas um ser divino; para os gnósticos, Jesus foi um ser humano de carne e osso, que foi habitado por um espírito celestial.

Vamos então saber mais sobre os gnósticos e o gnosticismo:

Muitas das doutrinas gnósticas foram beber a alguns dos princípios teológicos expressos no ancestral livro de Henoc.

O II livro de Henoc foi escrito por volta do Sec II a.C. em terras de Israel. Muitos afirmam que este livro não foi colocado no Antigo Testamento, porque expressava ideias e noções contraditórias ao seu mais famoso parente literário, o Livro de Génesis.

No Livro de Henoc, fica viva a ideia que todos nos somos detentores de um enorme poder espiritual, e que podemos alterar o rumo do destino. No entanto, o Livro de Gênesis tende a ver o homem enquanto um ser miserável, feito do pó, caído em pecado e por isso manchado pelo mal, condenado á decadência, ao sofrimento e á mortalidade.

Ao contrário, o Livro de Henoc expressava uma visão altamente espiritual do homem, concedendo-lhe faculdade que lhe permitem ascender a esferas espirituais superiores, e mesmo á imortalidade.

Por isso mesmo, o Livro de Henoc conta entre outras, a historia do misterioso e imortal Melquisedec, o sumo sacerdote que também é referido na versão oficial do Antigo Testamento, e que neste livro é retratado como exemplo dos poderes espirituais que habitam dentro do ser humano.

Claramente a visão do Livro de Gênesis era a mais ortodoxa, e o livro de Henoc foi excluído do Antigo Testamento.

No Livro II de Henoc, ( séc. II a.C), encontramos expressa a ideia de que o processo da criação do mundo físico em que existimos, proveio de uma vontade divina que deu existência e uma grande classe de seres celestiais.

Esses seres celestiais, chamam-se Aeons, sendo que esses seres celestiais são emanações do Eterno, ou se quiséssemos, do Criador.

Ao todo, o conjunto de Aeons constituem a Pleroma, ou a plenitude divina.

Um desses Aeons, tomou a forma de Adão, sendo que nesse sentido, Adão foi como a semente de Deus neste mundo.

Pois os gnósticos defenderiam séculos mais tarde esta mesma visão teológica, afirmando assim que tal como Adão foi uma manifestação corpórea de uma essência celestial, o mesmo quanto a Jesus e Maria Madalena.

Afirmavam os gnósticos, que também Jesus e Maria Madalena foram incarnações de Aeons, ou seres celestiais.

Por tudo isso, os gnósticos tendem a ver Jesus enquanto uma dualidade: por um lado, trata-se um ser humano perfeitamente comum e normal, de carne e osso; por outro lado, dentro do ser humano mortal, habitou uma essência divina, ou um ser celestial.

Afirmam os gnósticos, que esse ensinamento é claro se lermos os evangelhos, pois ali poderemos encontrar que:

1-Jesus chegou a afirmar que o corpo é apenas um receptáculo para um espírito

2-No momento da morte, Jesus grita: «Pai, porque me abandonaste?»; uma declaração que claramente faz entender que o Jesus humano estava falecendo e o ser celestial que nele habitava abandonou aquele corpo, ascendendo ás realidades superiores

3-Jesus, por via de uma metáfora e quando falando do Templo de Jerusalém, acabou declarando que Ele mesmo era um templo no qual habitava o espírito do filho de Deus.

Por esse motivo também, dizem os gnósticos que depois da ressurreição, ( tal como descrito nos evangelhos), Jesus teve de regressar e explicar as escrituras aos seus discípulos, ou seja: Jesus regressou para trazer este conhecimento espiritual secreto aos seus seguidores, ate mesmo porque os ditos não tinham percebido claramente a sua mensagem ao longo da sua pregação.


Para o gnosticismo, fica assim demonstrado que a sabedoria espiritual e celeste, é a via da evolução espiritual e da salvação, porquanto foi essa a chave que Jesus, depois da morte, entregou aos seguidores que entendeu serem merecedores.


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