Muitos
bruxos acreditam que existe uma única grande força divina que eles chamam de
‘’Espírito’’, ‘’O Todo’’ ou então
somente ‘’Deus’’. Essa força dá vida ao Universo, transcende o gênero, o espaço
e o tempo. Eles também acreditam, como praticantes de muitas das religiões do
mundo, que Deus em sua natureza é muito grande e abstrato para ser compreendido
pelos seres humanos em sua totalidade. Em O
poder do Mito, uma série de entrevistas feitas por Bill Moyers com Joseph
Campbell condensou a idéia: ‘’Deus é um pensamento. Deus é um nome. Deus é uma
idéia. Mas essa referência é algo que transcende todas as coisas. O maior dos
mistérios é estar além de todas as categorias de pensamento’’.
Os bruxos
acreditam que a divindade se separa (ou
nós a separamos) em duas faces – ou aspectos – que os humanos podem
relacionar. Essa primeira ‘’divisão’’ da divindade se dá em metades masculina e
feminina. Nas entrevistas de O poder do Mito,
Campbell descreve uma linda representação desta idéia: a Máscara da
Eternidade da Caverna de Shiva em Elefanta, Índia. A máscara consiste em uma
face olhando para frente e a outra olhando em direção oposta. Ele explica que a
face direita e a face esquerda da máscara significam a primeira divisão da
divindade e que, ‘’para onde quer que o transcendente [Deus] se mova, uma face
tem um campo de visão completamente oposto ao da outra’’. Então, dividindo isso
com múltiplos aspectos, a divindade se move no campo do tempo em que a raça
humana existe. Tudo no fluxo do tempo é dual. Passado e futuro, vivo e morto,
tudo isso; ser e não ser, é e não é.
Esse é um belo começo, porém a interpretação
da Magia sobre essa idéia vai um pouco além. Os dois aspectos primordiais da
divindade com os quais os bruxos trabalham – o masculino e o feminino – são
simplesmente chamados o Deus e a Deusa. Eles representam o yang e o yin,
positivo e negativo, luz e trevas. Desde que são as duas metades de um mesmo
inteiro, eles estão individualizados, mas não separados; eles estão conectados
por sua polaridade. Não existe um sem o outro *1*. A polaridade – a relação – entre o Deus e a Deusa é a dinâmica
central e sagrada da Bruxaria.
*1* José Saramago,
crítico do Cristianismo, em seu controverso livro ‘’O evangelho segundo Jesus
Cristo’’ também aborda o tema da dualidade, justificando por meio dela que até
mesmo os cristãos, ditos monoteístas, seriam, na verdade, politeístas. Segue a
citação: ‘’O Bem e o Mal não são os dois lados de uma mesma moeda? Não seriam,
pois, Deus e o Diabo personagens com forças similares dentro do cristianismo?’’
Segundo
princípio da Bruxaria: a divindade é imanente*2*
Bruxos
acreditam que a divindade, a força vital descrita no primeiro princípio, é
imanente ou inerente a todas as coisas e todas as pessoas. Está na maior das
catedrais e no menor dos grãos de areia. Isso não é exatamente a mesma coisa
que a idéia animista de que a catedral ou grão de areia têm consciência em
si mesmos, mas sim de que existe uma
força mística sagrada que está em tudo e que essa força é a divindade ou parte
dela. A divindade está em cada um de nós, bem como, e não obstante, em nossa
religião. Assim, como a divindade é imanente em nós, cada um de nós é parte do
divino.
*2* O termo
imanência é normalmente entendido como uma força divina, ou ser divino, que
permeia todas as coisas que existem e é capaz de influenciá-las. Tal
significado é comum no teísmo e no pampsiquismo, o que implica a divindade
estar inseparavelmente presente em todas as coisas. Esse significado de
imanência é distinto da transcendência, mais tarde entendida como a divindade
sendo separada ou transcendente ao mundo.
Terceiro
princípio da Bruxaria: a terra é divina
Bruxos
acreditam que a terra é a manifestação da divindade. É uma peça tangível
daquilo que é divino, particularmente, a Deusa, que dá luz a todas as coisas,
bem como as recebe de volta na morte. Assim, a terra é um espaço sagrado. Ainda
que você possa argumentar que alguns lugares são mais sagrados que outros,
bruxos acreditam que há um pouco do que é divino em cada canto da Terra, então
eles focam em sintonizar e trabalhar cada uma das energias dela. Isso significa
compreender o ciclo das estações, participando desses ciclos por meio do ritual
e entrando em contato com a terra, vivendo no fluxo do poder natural dela em
vez de trabalhando contra ele.
A maior das
experiências para muitas pessoas é transcender o mundano, a terra, e ir para um
lugar mais elevado. Pode ser um ‘’lugar’’ como o céu cristão, ou um lugar
interior em que a pessoa encontra a Iluminação ou o Nirvana. Ainda que muitos
bruxos acreditem que há um lugar especial para onde irão depois de suas mortes,
e muitos acreditem no ‘’Além-mundo’’ e no ‘’Purgatório’’, a maior parte de sua
prática está centrada no aqui e no agora, no planeta Terra. Por exemplo, muitos
rituais são miméticos e representam as mudanças das estações, sendo que os
bruxos incluem árvores, pedras e ervas em seus rituais e mágicas.
Muitos
bruxos acreditam que uma parte significante do caminho espiritual consiste em
zelar pela Terra, atos que se tratam de coisas do cotidiano, tal como reciclar,
esforços como trabalhar com causas ambientais e um grande número de atos nesse
sentido. Esse não é um preâmbulo da Bruxaria, entretanto muitos bruxos o fazem
de qualquer maneira, pois isso vem naturalmente do conceito de que a Terra é
divina.
Quarto
princípio da Bruxaria: poder da mente
Bruxos
acreditam que poderes psíquicos existem, que eles funcionam e que cada um de
nós tem seus próprios dons nesse sentido. Se cada um de nós é dotado de uma
mesma força divina, e da Terra e tudo que está à volta também, provavelmente
estamos habilitados a adentrar essa força
para conseguir informações e fazer coisas além do limite dos cinco
sentidos. Sabemos que muitas coisas que encontramos reveladas na natureza
seguem certos padrões, como a forma de certas conchas do mar e os padrões das
folhas e galhos em muitas árvores, a geometria com que tudo se relaciona na
Razão Áurea ( os gregos, entre outros, fizeram grande uso da geometria sagrada
e da Razão Áurea na construção de seus templos – falam sobre trabalhar em
harmonia com a natureza). Bruxos acreditam nisso desde que acrescentado de uma
base bem documentada de fenômenos naturais; mas há outros padrões na natureza e
nos planos espirituais menos verificáveis por meios científicos, e é nesses
padrões que eles trabalham tentando compreender e usar. A habilidade psíquica é
simplesmente a sensibilidade e percepção a esses padrões.
Habilidades
psíquicas ajudam os bruxos em muitas coisas, como aumentar sua intuição,
clarividência (lendo mapas astrais ou cartas de Tarô, por exemplo) e sentindo
coisas que a ciência não pode explicar ainda, como o espírito dos mortos e a
presença dos deuses. Como muitos outros talentos, habilidades psíquicas podem
ser treinadas, e a Bruxaria pode nos ajudar a aprimorar essas dádivas. Um dos
mais óbvios – contudo mais importantes – caminhos pelos quais a Bruxarias nos
ensina isso é simplesmente mostrado que as habilidades psíquicas são reais.
Afinal, é difícil usar algo que você não
acredita que existe. Bruxos também fortalecem suas habilidades psíquicas pela
prática. Eles meditam, praticam a magia, adivinhação, rituais, tudo aquilo que
os obriga a exercitarem seus ‘’músculos psíquicos’’.
Quinto
princípio da Bruxaria: magia
Bruxos
acreditam que a magia é real, que ela funciona e que eles podem usá-la para
melhorar suas vidas e ajudá-los em suas jornadas espirituais. Por magia eu não
me refiro a tirar coelhos da cartola, transformar seu irmão menor num sapo ou
vingar-se de sua ex-namorada. Falo de algo mais próximo da definição de magia
que o famoso (e infame) mago do século XX Aleister Crowley deu em seu
igualmente famoso livro ‘’Mágica na Teoria e na Prática’’. Magia (ou magick,
para Crowley) é ‘’a ciência e a arte de causar mudanças aos acontecimentos de
acordo com sua vontade’’.
Magia, tais
quais as habilidades psíquicas, dependem do conhecimento dos padrões e regras
do universo. Enquanto usar habilidades mentais significa harmonizar-se e
entender esses padrões, usar a magia está ligado a controlar e trabalhar nesses
padrões para conseguir as mudanças necessárias. A Filosofia da Magia retorna à
idéia de que tudo está envolto naquilo que é divino. Se todas as coisas possuem
energia divina, então podemos adentrar essa energia para afetar coisas que
parecem ter – para os nossos cinco sentidos – vínculos conosco. Esta idéia está
condensada basicamente em ‘’Mágica na Teoria e na Prática’’, que abre como o
seguinte mote, de ‘’The Goetia of Lemegeton of King Solomon’’ *3*, um livro ou compêndio mágico:
‘’A magia é o mais alto e absoluto e mais
divino dos conhecimentos da filosofia natural, avançada em seus trabalhos e em
suas maravilhosas operações, por um correto entendimento do que é interior e
oculto na virtude das coisas, por isso, os reais agentes aplicados aos devidos
pacientes nos darão resultados estranhos e admiráveis que serão então
produzidos. Uma vez que os magos são profundos e diligentes pesquisadores da
natureza, eles, por causa de suas habilidades, sabem como antecipar um efeito,
o que vulgarmente conseguiríamos chamar de milagre.’’
Tal qual
uma habilidade mental, um dos caminhos que a Bruxaria tem de ajudar as pessoas
a desenvolver suas habilidades mágicas é simplesmente permitindo que elas acreditem
que a magia é possível. Outro caminho é nos ensinando que cada um deve encontrar
seu próprio caminho, seu próprio ritmo moral – ou pessoal. È verdade que os
bruxos usam magia o tempo todo paras aquilo que é mundano, como curas, mas é o
propósito que transcende o mundano.
*3* Goetia
refere-se a uma prática que inclui a invocação e evocação de demônios.
Baseia-se na lenda judaico-cristã na qual o rei de Israel, Salomão, fora
agraciado pelos anjos com um sistema que lhe dava poder e controle sobre os
principais demônios da Terra e consequentemente sobre todos os espíritos
menores governados por eles. Dessa forma, o rei Salomão, e posteriormente seus
discípulos, teriam toda espécie de poderes sobrenaturais, como invisibilidade,
sabedoria sobre-humana e visões do passado e futuro. ‘’A Chave Menor de
Salomão’’ ou ‘’Lemegeton’’ (em latim, Lemegeton Clavícula Salomonis) é um
grimório pseudoendoepigráfico, atribuído erroneamente ao rei Salomão quando na
verdade foi escrito muito depois de seu tempo. Datado do século XVII, contém
descrições detalhadas de demônios e as conjurações necessárias para invocá-los
e obrigá-los a obdecer ao conjurador. ‘’O Lemegeton’’ é dividido em cinco
partes: Ars Goetia, Ars Theurgia Goetia, Ars Paulina, Ars Almadel e Ars
Notoria. Vou disponibilizar aqui o livro principal, Grimorium Verum (clique aqui para DOWNLOAD)
Sexto
princípio da Bruxaria: reencarnação
Ainda que
muitos bruxos possam lhe dizer que acreditam em reencarnação – a alma
retornando à Terra em um novo corpo ou forma depois da Morte - , suas visões
variam bastante sobre o que isso significa. Alguns simplesmente acreditam que
nossas almas renascem em novos corpos e outros acham que nossa essência se
‘’recicla’’ depois que nosso corpo morre e se torna uma energia cósmica. Alguns
acreditam que todos compartilham uma mesma alma e que essa alma passa por
inúmeras experiências de vida habitando o mesmo tempo os corpos de todos.
Gerald
Gardner, o avô da Wicca, acreditava piamente em reencarnação. Em parte por essa
razão ele foi acusado de ser um garoto-propaganda em sua época por tentar
aumentar o interesse público na Wicca, assim essa arte não morreria e teríamos
a família Wicca renascida e renovada.
Esse foco
na reencarnação permanece, de certa forma, por causa do que falei no terceiro
princípio da Bruxaria, de que a Terra é divina. Como vimos anteriormente, a
prática dos bruxos é baseada na terra, focada no aqui e no agora, É natural,
assim, que os bruxos possam acreditar que a morte não é o final de toda a
existência e que eles vão voltar para cá, de alguma forma, algum dia.
Sétimo
princípio da Bruxaria: o sexo é sagrado
Na
Bruxaria, o sexo, a junção física de duas pessoas, é um ato sagrado que trás
felicidade e prazer, não vergonha e culpa. O sexo é um tesouro e deve ser
reverenciado. A sexualidade é considerada um presente dos deuses, um prazer e
uma responsabilidade que vem com um corpo físico, uma manifestação da
polaridade do Deus e da Deusa e da fertilidade da Terra.
Nós bruxos
não consideramos a sexualidade uma escolha e também a aceitamos com nenhuma
diferença. Heteros e gays, uma sublime qualidade. O homossexualismo e o
bissexualismo, tanto como a sexualidade são condições da alma humana, e não
devem ser considerados como fenômenos atacáveis pelo ridículo da humanidade.
Tanto quanto acontece com a maioria que desfruta de uma sexualidade dita
normal, aqueles que são portadores de sentimentos de homossexualidade ou
bissexualismo são dignos do nosso maior respeito.
Há muito
simbolismo sexual na Bruxaria. Os Sabbats – os dias santos da Bruxaria –
incluem histórias da união do Deus e da Deusa. O cálice e o athame (a faca
ritual) no altar bruxo representam os membros orgânicos feminino e masculino,
entre outras coisas. E o foco da Bruxaria nos ciclos do ano enfatiza a
fertilidade, quer da terra, quer das pessoas que nela habitam.
Então quer
dizer que tornar o sexo sagrado significa que na Bruxaria que existem orgias
cerimoniais? Isso não é o ponto do sexo sagrado na Bruxaria. Entender o lago espiritual
do sexo liberta algumas pessoas das amarras e convenções sociais sobre o sexo,
então, isso acaba sendo mais parecido com experimentar múltiplos parceiros ( o
que é bem diferente de fazer orgias). Mas a ideia de que o sexo é sagrado
também significa que ele deve ser tratado com reverência, o que dá aos bruxos
uma razão para fazer com que os relacionamentos sexuais tenham um carinho
extremo e um respeito que eles não teriam se o assunto fosse visto como sendo
tratado de maneira meramente mundana. Uma curandeira de seus oitenta e poucos
anos, que conheci, coloca as coisas desta maneira: ‘’Você é sagrado. Seu corpo
é sagrado. Sua vagina é sagrada. Seu pênis é sagrado. Você não coloca nada que
não seja sagrado em seu sagrado corpo. E você não coloca seu sagrado corpo em
nada que não seja sagrado’’. Eu não consigo pensar numa maneira melhor de dizer
isso.
Se você
está desconfortável com a idéia de que o sexo é sagrado ou com o simbolismo
sexuais, a Bruxaria provavelmente não é o caminho para você. Mas a verdade é
que a Bruxaria nos desafia. Não é para ser confortável ou estática. Nós não
mudamos quando não nos desafiam a fazê-lo, e um grande ponto da Bruxaria é
sobre mudar e sobre o poder pessoal que vem quando fazemos isso e agarramos
essa mudança. A ideia de que o sexo é sagrado é apenas um de muitos caminhos de
que a Bruxaria pode se valer para desafiar algumas normas sociais comumente bem
aceitas.
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